As regras sobre a decisão do arquivamento do inquérito policial: o que muda com a Lei 13.964/19?
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Lei 13.964/19, inquérito policial, arquivamentoResumo
O presente artigo trata das novas regras introduzidas no art. 28, do CPP, pela Lei 13.964, de 24.12.19, cuja vigência por ora está suspensa devido à decisão do Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.395. Trata-se dos fundamentos para a modificação da “natureza jurídica” do ato de arquivamento do inquérito policial, a partir da nova redação do dispositivo legal, e as consequências para a interpretação das regras postas na estruturação do processo penal.
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Referências
(1 ) Parte-se da leitura do texto publicado em 1993 (COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A natureza cautelar da decisão de arquivamento de inquérito policial. Revista de Processo, São Paulo, v. 18, n. 70, pp. 49-58, abr./jun. 1993.), já retrabalhado e atualizado em 2017 (COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Da Decisão Cautelar de Arquivamento do Inquérito Policial. In: NORONHA, João Ricardo (Coord.); ANDRADE, Pedro Felipe C. C. de (Org.). Revista Jurídica da Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Paraná. v. 1. Curitiba: Juruá, 2017, pp. 69-94), que dá a base para o estudo do presente texto. Agradecemos à colega Alice Silveira de Medeiros pelas sugestões e ajuda imprescindível.
(2 ) O Min. Luiz Fux, do STF, de forma monocrática, decidiu: “Concedo medida cautelar requerida nos autos da ADI 6305, e suspendo sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, (b1) da alteração do procedimento de arquivamento do inquérito policial (28, caput, Código de Processo Penal)”, tudo em face dos seguintes fundamentos da ADI 6305 da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público: “(c) Artigo 28 caput, Código de Processo Penal (Alteração do procedimento de arquivamento do inquérito policial): (c1) Viola as cláusulas que exigem prévia dotação orçamentária para a realização de despesas (Artigo 169, Constituição), além da autonomia financeira dos Ministérios Públicos (Artigo 127, Constituição), a alteração promovida no rito de arquivamento do inquérito policial, máxime quando desconsidera os impactos sistêmicos e financeiros ao funcionamento dos órgãos do parquet; (c2) A previsão de o dispositivo ora impugnado entrar em vigor em 23.01.2020, sem que os Ministérios Públicos tivessem tido tempo hábil para se adaptar estruturalmente à nova competência estabelecida, revela a irrazoabilidade da regra, inquinando-a com o vício da inconstitucionalidade. A vacatio legis da Lei n. 13.964/2019 transcorreu integralmente durante o período de recesso parlamentar federal e estadual, o que impediu qualquer tipo de mobilização dos Ministérios Públicos padra a propositura de eventuais projetos de lei que venham a possibilitar a implementação adequada dessa nova sistemática; (c3) Medida cautelar deferida, para suspensão da eficácia do artigo 28, caput, do Código de Processo Penal;”. O principal fundamento da decisão (sobre o fumus boni iuris) está assim expresso: “Em análise perfunctória, verifico satisfeito o requisito do fumus boni iuris para o deferimento do pedido cautelar de suspensão do artigo 28, caput, da Lei n. 13694/2019. Na esteira dos dados empíricos apresentados pela parte autora, verifica-se que o Congresso Nacional desconsiderou a dimensão superlativa dos impactos sistêmicos e financeiros que a nova regra de arquivamento do inquérito policial ensejará ao funcionamento dos órgãos ministeriais. Nesse sentido, a inovação legislativa viola as cláusulas que exigem prévia dotação orçamentária para a realização de despesas, além da autonomia financeira dos Ministérios Públicos. Na esteira do que já argumentado no tópico anterior, vislumbro, em sede de análise de medida cautelar, violação aos artigos 169 e 127 da Constituição”. Por outro lado, o periculum in mora restou justificado porque os Ministérios Públicos não teriam tido “tempo hábil para se adaptar estruturalmente à nova competência estabelecida”. O argumento principal (quanto ao fumus boni iuris) é frágil – e depõe contra a próprio Ministério Público – porque, com a nova regra, livram-se do controle jurisdicional do arquivamento, de todo inconstitucional, em face da estrutura autônoma da instituição e da “natureza” da decisão que submetem ao controle; depois, porque têm plenas condições de operacionalizar o controle interna corporis simplesmente pela distribuição das atribuições dentre os inúmeros Procuradores lotados nas Procuradorias Gerais; e sem nenhum aumento de despesas. Tais órgãos, por evidente, terão que trabalhar mais – é verdade – e isso sempre esteve subjacente em certa má vontade de alguns, coisa que há muito se verificava, inclusive já em tempos passados, nas – um tanto antigas – tentativas de mudança do sistema de controle de legitimidade, do que foi exemplo marcante aquela verificada em relação ao chamado Projeto Frederico Marques. O Ministério Público, contudo, não merece algo assim. O MP da CR/88 não pode estar à mercê de um pensamento tão obtuso. Além do mais, a mudança – desde este ponto de vista absolutamente necessária – é imprescindível à refundação do próprio sistema processual penal, com a alteração de inquisitório para acusatório.
( 3) Para uma diferença entre tais significantes e que se possa recomendar, vide: CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale. Torino: UTET, 1986, pp. 14-17.
(4 ) A matéria é muito interessante e mereceria uma análise mais alargada, que o presente ensaio não comporta. Sobre o tema da ação, porém, são imprescindíveis os ensinamentos de SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da. Por uma teoria da ação processual penal: aspectos teóricos atuais e considerações sobre a necessária reforma acusatória do processo peal brasileiro. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, 414p. Sobre o tema específico da discricionariedade, ver: SOUZA, Bruno Cunha. Obrigatoriedade da ação penal pública: o problema da escassez dos recursos públicos para uma prestação jurisdicional eficiente. 2020. 161p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica, Curitiba, 2020.
( 5) “Art. 62. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão: IV – manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral”.
(6 ) Neste aspecto, referente ao órgão com atribuição para a revisão – já previsto em lei – não parece ter andado bem o Min. Luiz Fux na decisão que concedeu a medida liminar precitada: “Anoto que questões operacionais simples deixaram de ser resolvidas pelo legislador, como, por exemplo, a cláusula aberta trazida no caput do artigo 28, ao determinar que o arquivamento do inquérito policial será homologado pela ‘instância de revisão ministerial’. A nova legislação sequer definiu qual o órgão competente para funcionar como instância de revisão”. Ora, por certo não se definiu porque já estava na lei, o referido órgão, como superior administrativo; e não são, sempre, os mesmos órgãos. Afinal, como se sabe, no MPF, por lei, a atribuição é da Câmara de Coordenação e Revisão (Criminal). Ademais, por certo consciente que se haveria de reformular as atribuições nas estruturas administrativas do MP, o legislador não quis vincular o agir das instituições, aí sim, quem sabe, incorrendo em inconstitucionalidade. O legislador, então, não parece ter legislado mal; e sim bem, respeitando a autonomia do MP.
(7 ) Ao contrário do que podem pensar alguns, não se trata de um recurso de ofício, para o qual se teria que ter, dentre outros requisitos, um ato acabado e perfeito, o que, por evidente, não ocorre. A doutrina do direito administrativo não deixa muita dúvida a respeito do tema.
(8 ) Dar-se-á, no caso, a aplicação do art. 3º, do CPP, fazendo-se interpretação extensiva. A importância do referido art. 3º está – justo – na solução interpretativa de preceitos normativos assim dispostos porque, como queriam os antigos, parece que o legislador, no caso, disse menos do que queria ou deveria dizer; e não há veto para a extensão na via da interpretação.
(9 ) O preceito do caput do art. 28, como se percebe, usa o verbo comunicar, portanto, refere-se à comunicação, isto é, termo genérico utilizado para se referir à ciência do ato praticado ou do ato que se deva praticar. Essa dualidade sempre demarcou a diferença (debaixo do termo genérico comunicação) entre intimação e notificação; aquela para ciência do ato praticado e esta para ciência de que se deve praticar um ato. No CPC/73 a diferença foi abolida e se adotou, para todas as hipóteses, o significante intimação. A atitude foi louvada. Da sua parte, o CPP também tinha e tem um Capítulo II, do Título X, do Livro I, referente ao tema e que trata “das citações e intimações”. Independente disso, o CPP segue referindo-se à intimação (como no caso, por exemplo, do art. 222: “A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.”), mas também se refere à notificação (como no caso, por exemplo, do art. 600, § 4º: “Se o apelante declarar, na petição ou no termo, ao interpor a apelação, que deseja arrazoar na superior instância serão os autos remetidos ao tribunal ad quem onde será aberta vista às partes, observados os prazos legais, notificadas as partes pela publicação oficial.”), o que sempre causou dificuldades no entendimento do tema e no seu ensino, dada a confusão que se criou e cria, mormente a partir da infeliz teoria geral do processo. E isso se deu, no processo penal, porque, para ele, a opção do CPC/73 não foi a melhor, por evidente, dadas as previsões legais expressas referentes, no CPP, das notificações. Uma coisa, contudo, é certa: se os significados dos significantes são diferentes, das duas, uma: ou eles são tratados nos seus devidos lugares, ou ganham o termo genérico – e, no caso, unificador – comunicação. Deste modo, a opção do legislador natalino do novo art. 28, ao que tudo indica, foi feliz, acertando pela generalidade (usando o verbo comunicar), ainda que, como se sabe, o referido artigo estivesse se referindo à intimação do ato praticado.
(10 ) Art. 18, do CPP: “ Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia”.
(11 ) Observar, nesse ponto, que “enquanto o art. 18 regula o desarquivamento de inquérito policial, quando decorrente da carência de provas (falta de base para denúncia), só admitindo a continuidade das investigações se houver notícia de novas provas, a Súmula 524 cria uma condição específica para o desencadeamento da ação penal, caso tenha sido antes arquivado o procedimento, qual seja, a produção de novas provas. (...) Em resumo, sem notícia de prova nova o inquérito policial não pode ser desarquivado, e sem produção de prova nova não pode ser proposta ação penal.” (STF, HC 94.869, 26.6.13, DJ 25.2.14). A propósito, ver também: RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 228 e ss.; DUCLERC, Elmir. Curso básico de direito processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 162.
(12 ) Sobre o argumento, ver: DIAS, Jorge Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1981, p. 410.
(13 ) Art. 5º, XXXI, da CR: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
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