Prisão provisória: recentes reformas e próximos passos à luz do sistema interamericano de direitos humanos
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Apesar da obrigação internacional e do entendimento do STF de que o uso da prisão provisória deve ser excepcional, aproximadamente um terço da população prisional brasileira não foi condenada em primeira instância. Em face de tal dissonância entre o plano normativo e a realidade do país, parte da comunidade jurídica periodicamente se mobiliza por reformas objetivando reduzir o uso de prisão preventiva. Dentre tais reformas, a introdução da audiência de custódia em 2015 – impulsionada pela sua previsão em tratados internacionais de direitos humanos – e do juiz de garantias no fim de 2019 – atualmente suspensa por decisão do STF – destacam-se pela sua natureza estrutural, o que as torna menos suscetíveis de relativização por vias interpretativas. Este artigo analisa o potencial e as limitações de tais reformas, e das demais mudanças pertinentes da Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), para racionalizar o uso de medidas cautelares. Após constatar que uma abordagem holística é necessária para se atingir tal objetivo, este artigo propõe reformas adicionais, que alinhem o aparato normativo e a cultura jurídica dos operadores do direito aos parâmetros do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (“SIDH”), incluindo o investimento em medidas cautelares alternativas à prisão e a introdução da avaliação atuarial de riscos processuais no Brasil.
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Referências
(1) BRASIL. Ministério da Justiça, Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen, Painel Interativo junho/2019, p. 12. Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(2) OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Herrera Espinoza y otros vs. Ecuador, n. 316, 01 set. 2016, parágrafos 146 e 148. Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_316_esp.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(3) OEA. Comissão Interamericana de Diretios Humanos, Informe sobre el Uso de la Prisión Preventiva en las Américas, 2013. Disponível em: <http://www.oas.org/es/cidh/ppl/informes/pdfs/informe-pp-2013-es.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(4) DITELLA, Rafael; SCHARGRODSKY Ernesto. Criminal Recidivism after Prison and Electronic Monitoring. Jounal of Political Economy, 2013; DOBBIE, Will; GOLDIN, Jacob; YANG, Crystal S YANG, Crystal S. The Effects of Pre-Trial Detention on Conviction, Future Crime, and Employment: Evidence from Randomly Assigned Judges. American Economic Reviews, 2018; LESLIE, Emily; POPE, Nolan G.. The Unintended Impact of Pretrial Detention on Case Outcomes: Evidence from NYC Arraignments. Journal of Law and Economics, 2017; HEATON, Paul; MAYON, Sandra; STEVENSON, Megan. The Downstream Consequences of Misdemeanor Pretrial Detention. Stanford Law Review, 2017; TITAEV, Kirill D. Pretrial detention in Russian criminal courts: a statistical analysis. International Journal of Comparative and Applied Criminal Justice, 2017; e WERMINK, Hilde et al. The Influence of Detailed Offender Characteristics on Consecutive Criminal Processing Decisions in the Netherlands, Crime & Delinquency, 2017.
(5) OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Fermín Ramírez vs. Guatemala, n. 126, 20 jun. 2005, parágrafo 66. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_126_esp.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020. Nesses casos, cabe aos Estados estruturarem o processo penal conforme desejado domesticamente, nos limites das garantias da CADH.
(6) Ver a linha do tempo do “Projeto Audiências de Custódia” em <https://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario/audiencia-de-custodia/sobre/>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(7) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.240/DF- Distrito Federal. Relator Ministro Luiz Fux, Pesquisa de Jurisprudência, 20 ago. 2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(8) TOFFOLI, José Antônio Dias. Cinco anos de audiência de custódia: mitos e verdades, Consultor Jurídico, 24 fev. 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-fev-24/dias-toffoli-cinco-anos-audiencia-custodia-mitos-verdades >. Acesso em: 08 abr. 2020.
(9) Ver nota 1.
(10) Parte da tese de doutorado do autor do presente artigo objetiva mensurar por meio de regressões múltiplas o efeito que a introdução das audiências de custódia teve na proporção de decisões de prisão preventiva.
(11) NASCIMENTO DOS REIS, Thiago. Presos no Palco: Avanços e Desafios das Audiências de Custódia Recém-Implementadas na Justiça Estadual da Cidade de São Paulo, 2017. 128 p. Dissertação (mestrado), Escola de Direitos da Universidade de Stanford, Stanford, 2017. Versão publicada disponível em: <https://law.stanford.edu/wp-content/uploads/2017/09/Thiago-Nascimento-dos-Reis-Presos-no-Palco-Tese-SPILS.pdf >. Acesso em: 08 abr. 2020.
(12) BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Medida Cautelar nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305/DF – Distrito Federal. Relator Ministro Luiz Fux, Pesquisa de Jurisprudência, 22 jan. 2020. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(13) Ver os parâmetros gerais sobre imparcialidade judicial em OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Rosadio Villavivencio vs. Perú, n. 388, 14 out. 2019, parágrafo 186. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_388_esp.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020. Note, porém, que, quando confrontada com a alegação de que a rejeição de um pedido de recusa de um desembargador, por ter participado na instrução do processo, violaria o direito a um recurso judicial (artigo 25.1 da CADH), a CtIDH não deu indicações de que tal acúmulo de funções potencialmente violaria o artigo 8.1 da CADH. Caso Romero Feris vs. Argentina, n. 391, 15 out. 2019, parágrafos 170-175. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_391_esp.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020. A pesquisa para este artigo não encontrou uma decisão da CtIDH em que a ausência do juiz de garantias foi considerada uma violação do direito a um juiz imparcial. Apenas casos de justiça militar, em que foi decidido que a concentração das atividades de investigação e julgamento nas forças armadas comprometeu a imparcialidade dos juízes militares. E.g., Caso Castillo Petruzzi y otros vs. Perú, n. 52, 30 maio 1999, parágrafo 130. Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_52_esp.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(14) OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Jenkins vs. Argentina, n. 397, 26 nov. 2019, parágrafo 76. Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_397_esp.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(15) OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Pollo Rivera y otros vs. Perú, n. 319, 21 out. 2016, parágrafo 125. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_319_esp.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020; OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso López Álvarez vs. Honduras, n. 141, 01 fev. 2006, parágrafo 81. Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_141_esp.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020; OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Acosta Calderón vs. Ecuador, n. 129, 24 de jun. 2005, parágrafo 135. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_129_esp1.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(16) BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Plenário Virtual no Recurso Extraordinário 1.038.925. Relator Ministro Gilmar Mendes, Pesquisa de Jurisprudência, 18 de ago. 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(17) OEA. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Norín Catrimán y otros vs. Chile, n. 279, 29 maio 2014, parágrafo 311(c). Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_279_esp.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(18) OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Medidas para Reduzir a Prisão Preventiva, 2017, p. 84. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020.
(19) Para um panorama do uso de tal instrumento nos Estados Unidos, ver STEVENSON, Megan. Assessing Risk Assessment in Action, Minnesota Law Review, 2018.
(20) VILJOEN, Jodi L. et al. Impact of Risk Assessment Instruments on Rates of Pretrial Detention, Postconviction Placements, and Release: A Systematic Review and Meta-Analysis. Law & Human Behavior, 2019. O trabalho consiste na realizado de uma meta-análise de estudos e conclui que a probabilidade dos suspeitos de serem mantidos em prisão provisória caiu pela metade quando a avaliação atuarial de riscos processuais foi utilizada.
(21) Por exemplo, ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau of Justice Assistance, Mamalian, Cynthia A. State of the Science of Pretrial Risk Assessment, 2011 (observando que 48% dos programas de AARP não haviam validados os seus instrumentos nas jurisdições em que eram utilizados); e TONRY, Michael. Legal and Ethical Issues in the Prediction of Recidivism, Federal Sentencing Review, 2014 (notando que a inclusão de fatores aparentemente neutros como a idade do suspeito na primeira prisão e o total de prisões poderia introduzir disparidades raciais nos algoritmos).
(22) A CIDH reconheceu a importância da iniciativa do estado norte-americana do Alaska de elaborar “uma metodologia padronizada de avaliação de riscos.” OEA. Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Medidas para Reduzir a Prisão Preventiva, 2017, parágrafo 54. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/PrisaoPreventiva.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2020. Esse reconhecimento é um suporte à introdução da AAPR, pois esta última se trata da maneira mais sofisticada de realizar tal metodologia padronizada para avaliação de riscos.
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