Violência na assistência ao parto e (des)respeito à autonomia da mulher: o tratamento penal das intervenções médicas arbitrárias em gestantes e parturientes
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Violência obstétrica, Autonomia, Gestantes, Assistência ao parto, Intervenções médicas arbitráriasResumo
Este trabalho visa a analisar a responsabilidade penal dos profissionais de saúde no que se refere às intervenções médicas realizadas na assistência ao parto, em especial aquelas realizadas sem o consentimento válido ou contra a vontade da gestante. Considerando o contexto das chamadas violências obstétricas e o movimento pela humanização do parto, objetiva-se investigar os fundamentos que atribuem legitimidade às intervenções obstétricas, para posteriormente determinar, sobretudo, o tratamento penal das intervenções médicas arbitrárias realizadas na assistência ao parto. Para tanto, parte-se de casos concretos extraídos principalmente da jurisprudência brasileira, os quais são solucionados ao final segundo as premissas firmadas no trabalho. Assim, constata-se que a violência no parto consiste no desrespeito à autonomia da gestante durante o parto ou nos momentos que o precedem, o que pode ocorrer tanto por meio da afetação da sua liberdade e da realização de procedimentos sem o seu consentimento válido ou contra a sua vontade, como também por meio de outros comportamentos que afetam indiretamente a autonomia. Isso permite concluir que é o consentimento livre e esclarecido, e não a decisão do médico ou a indicação, que legitima as intervenções realizadas na assistência ao parto, tornando puníveis as intervenções arbitrárias como lesões corporais ou constrangimento ilegal, apesar da existência de determinadas lacunas de punibilidade.
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