O discurso de combate à corrupção: análise por uma perspectiva dos estudos de Eugenio Raúl Zaffaroni
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Corrupção, Eugenio Raúl Zaffaroni, Operação Lava-Jato, Política criminal, Processo penalResumo
Casos de corrupção política de envergadura até então desconhecida foram deflagrados no Brasil nas últimas duas décadas e receberam uma enorme atenção, especialmente da imprensa e de autoridades responsáveis pela investigação criminal. Em reação, eclodiram discursos de combate à corrupção supostamente inovadores, alguns deles em tom messiânico, prometendo soluções simples, mas sem esclarecer a que preço. Diante dessa “nova” defesa do combate à corrupção, levantou-se o seguinte problema: são esses discursos realmente inovadores ou se tratam de uma renovação, com uma nova roupagem, de um velho discurso que há séculos impulsiona o aumento do poder punitivo, ao custo da restrição de direitos fundamentais de toda a população, mas sem jamais alcançar o fim prometido? Para responder a essa questão, o presente artigo, utilizando como referência a investigação dos arquétipos dos discursos criminológicos realizada por Zaffaroni, desenvolveu uma análise de um desses novos discursos: a defesa das “10 medidas contra a corrupção” propostas por membros do Ministério Público Federal. O estudo foi realizado através da análise discursiva dos argumentos apresentados em defesa dessas medidas, compreendidos dentro de seu contexto jurídico-político, utilizando como referencial teórico três obras de Zaffaroni. Demonstrou-se que esse discurso repete um mesmo arquétipo que há séculos se renova no Direito Penal, com a seguinte estrutura: identifica uma emergência (corrupção); argumenta que essa emergência seria um mal capaz de destruir a sociedade (corrupção como causa fundamental de graves problemas sociais e econômicos); associa esse mal a um grupo de pessoas (os corruptos) que, todavia, parecem-se com toda a população (todos são corruptos em potencial); e, por isso, demanda um aumento do poder punitivo (medidas fortalecem poderes do Ministério Público e restringem direitos fundamentais, notadamente os direitos de defesa) para um maior controle penal de toda a população (medidas seriam aplicáveis a todos os crimes, não apenas à corrupção).
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